14.7.02

Caveiras errantes

Considerados “patrimônio histórico”, os restos mortais de Lampião e os de seu bando ficam sem destino

Os cangaceiros Lampião e Maria Bonita passaram anos perambulando pelo sertão, até ser cercados e executados pela polícia. Os dois, porém, ainda não puderam descansar em paz. A cabeça de ambos, única parte que sobrou dos cadáveres, continua sem sepultura. Há algumas semanas, os crânios foram transferidos de Salvador para Aracaju, onde estão sob os cuidados de uma neta de Lampião e Maria Bonita, Vera Ferreira. Na capital baiana restam outras dez cabeças de cangaceiros, acomodadas em caixas de madeira nas quais se lêem nomes lendários, como Corisco, Zabelê, Canjica e Azulão.
As caixas estão em dois gaveteiros do Cemitério Quinta dos Lázaros e a discussão sobre que destino dar a elas veio à tona depois de uma inundação. “Essas cabeças são patrimônio histórico e estão correndo risco”, diz o pesquisador Lamartine Lima, perito do Instituto Médico-Legal (IML). “As famílias dos cangaceiros precisam decidir logo o que farão com elas.”

Na última vez em que as caveiras do bando de Lampião foram notícia, em 1969, deu-se um grande debate nos meios intelectuais e nos botequins baianos. Na ocasião, estavam expostas em prateleiras no IML. O filho de Corisco, o economista Sílvio Bulhões, achava aquilo mórbido demais e liderou um movimento pela transferência dos restos mortais para um cemitério. Conseguiu. Desta feita, é o cemitério que quer se livrar das dez caixas, pela falta de condições de conservação.

A pesquisadora Vera Ferreira encarregou-se de resgatar a cabeça de Lampião e Maria Bonita. Ela pretende montar em Aracaju o Museu do Cangaço. “Lá, entre outras coisas, vou construir um memorial, onde meus avós enfim terão uma sepultura decente”, diz. Enquanto isso não acontece, os crânios permanecem em lugar não revelado. Vera teme que sejam roubados, como ocorre periodicamente com a lápide do cantor Raul Seixas.

Virgolino Ferreira da Silva e seus homens foram mortos em 1938 por uma volante, uma tropa especial da polícia, na Grota do Angico, um esconderijo perto da divisa entre Sergipe e Alagoas. Alguns cangaceiros, como o pernambucano Lampião, foram mortos à bala. Outros, como a baiana Maria Bonita, foram degolados vivos. Os corpos decapitados foram enterrados em covas rasas, no meio da caatinga. Para mostrar a eficiência do combate ao cangaço, a polícia saiu em excursão pelo país exibindo a cabeça dos bandoleiros.

Depois da turnê, as caveiras acabaram no IMLde Salvador. Foram utilizadas numa pesquisa que procurava comprovar a teoria do médico italiano Cesare Lombroso segundo a qual é possível identificar personalidades criminosas a partir das feições e do formato do crânio. Aos historiadores e à comunidade médica agradaria que fossem transferidas para o Museu Etnográfico. O problema é que o museu fechou.

TIAGO CORDEIRO, DE SALVADOR

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